Os desafios da alfabetização – Parte 1: Tópicos Introdutórios

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Os desafios da alfabetização – Parte 1: Tópicos Introdutórios

A alfabetização não é um processo natural como engatinhar e andar. É um processo cultural pelo qual o cérebro humano está apto a passar, mas que necessita de uma iniciativa de ensino e aprendizagem para acontecer. Embora existam exceções, não é algo que acontece naturalmente, sem que haja um esforço focado nisso. 

O processo de alfabetização passa por diferentes aspectos, que devem ser considerados com muita atenção, como os linguísticos, os interativos e os socioculturais. Ou seja, passa pela nossa capacidade de conhecer os elementos da língua e suas unidades, como as letras, seus sons, sílabas e palavras, bem como pelas formas como a língua se manifesta em nossa cultura, como os tipos de texto e seus contextos. Isso sem falar na inserção num ambiente que proporcione o acesso e a exposição à leitura, com livros e histórias.

É claro que o aprendizado depende também de outros aspectos, como as nossas emoções, por exemplo, mas quando todos os elementos acima estão em harmonia, é esperado que consigamos proporcionar um processo de alfabetização mais leve e eficiente.

A alfabetização é a base para o sucesso curricular do estudante e mais do que isso, ela é o alicerce para uma educação crítica e emancipatória, ou seja, para a construção do indivíduo como cidadão pleno. 

É uma fase fundamental que inicia o processo de formação dos alunos porque ajuda a promover a leitura, a escrita, os conhecimentos, a comunicação, a construção dos saberes e a formação de leitores. Sem ela não se lê, não se entende, não se interpreta. Sem ela não existe a possibilidade de construção do raciocínio. 

Infelizmente, a alfabetização é, também, um dos calcanhares de Aquiles da educação brasileira: dados que ainda podem ser considerados recentes, de 2016, mostravam que apenas 45,3% das crianças do terceiro ano do ensino fundamental tinham aprendizado adequado em leitura e 66,1% em escrita.

O problema, aparentemente, persiste até a vida adulta: os analfabetos funcionais (pessoas com limitação para ler, interpretar textos, identificar ironia e fazer operações matemáticas em situações da vida cotidiana) eram praticamente 30% da população entre 15 e 64 anos, segundo o Indicador de Analfabetismo Funcional de 2018. 


Devemos esperar o tempo da criança?
 

Para uma resposta adequada a essa questão é preciso considerar vários contextos. Antes de tudo é importante entender que existe uma insegurança entre parte dos pais e educadores a respeito da expectativa de quando uma criança brasileira deve estar alfabetizada. Isso porque diferentes documentos trazem diferentes diretrizes. 

O Plano Nacional de Educação (PNE, aprovado em lei em 2014 após três anos de debate no Congresso) tem como meta “alfabetizar todas as crianças, no máximo até o 3º ano do fundamental, até 2024”. A Política Nacional de Alfabetização, criada durante o governo Bolsonaro, menciona a meta do PNE, mas cita também a “priorização da alfabetização no primeiro ano do ensino fundamental”. Enquanto isso, o projeto Tempo de Aprender do MEC prevê a avaliação para medir os resultados da alfabetização na 2° ANO.

Na contramão das expectativas, os números mostram que o país ainda não conseguiu alfabetizar direito nem no terceiro ano, segundo os dados de 2016, da Avaliação Nacional de Alfabetização. São mais de 1 milhão de crianças que não alcançaram o nível suficiente em leitura no Brasil.  

E quanto à angústia comum dos pais, se existe uma idade certa para seu filho estar alfabetizado? Alguns especialistas acreditam que um ano é mais do que suficiente para alfabetizar uma criança. Os adeptos desta tese defendem que, ao final do primeiro ano do fundamental, se a criança não tiver uma noção razoável de ortografia e fluência, os pais devem cobrar a escola. 

Já outros estudiosos de alfabetização opinam que não existe uma idade única tida como ideal — e que a alfabetização deve ser vista como um processo de erros e acertos, com estratégias que podem começar na educação infantil e que devem se estender até os 8 anos de idade (3º ano do fundamental), em que as crianças podem ter ritmos distintos entre si.

Formalmente, o processo de alfabetização começa na 1° ANO do fundamental, por volta dos 6 anos. Na educação infantil, para crianças de 2 a 5 anos, os especialistas recomendam expor as crianças a situações que envolvam o letramento: professores lendo diariamente livros diferentes com as crianças, mostrando às crianças com qual letra seus nomes começam (e perguntando, por exemplo, “e que outras palavras será que começam com essa mesma letra?”) ou aproveitando passeios de classe para observar placas ou avisos, ou seja, são formas de dar uso social à leitura e à escrita. 

Além disso, na visão destes especialistas, a leitura mediada (por um adulto), com livros de bons autores e bons ilustradores, também é uma imersão nas práticas letradas. Eles acrescentam que é importante que esse adulto converse com a criança sobre o livro, estimulando-a a entender o enredo, a responder sobre os personagens e a conhecer diferentes tipos de texto (poesia, prosa etc). 

O perigo maior, na visão de alguns especialistas, é forçar o processo cedo demais na educação infantil. Eles reconhecem que tem acontecido muito na educação pública de se antecipar a prática (de alfabetização), algo que, na visão deles, massacra as crianças. 

Em alguns lugares costuma-se iniciar práticas de alfabetização no último ano da educação infantil, por meio de brincadeiras e atividades de identificação de letras e sílabas. Especialmente na rede privada, não é incomum encontrar crianças lendo e escrevendo algumas palavras por volta dos cinco anos. 

Mas afinal, deve-se esperar o tempo da criança para a concretização do processo de alfabetização? A próxima parte do artigo trará o esclarecimento que falta à questão. 

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